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terça-feira, 15 de maio de 2007

Artigo publicado no Jornal O Povo, de Fortaleza, CE, em 6/5/2007:

A geração Noel Rosa
Para o pesquisador Wander Nunes Frota, Noel Rosa foi o compositor que levou o Brasil a “pensar em ritmo de samba”. Em artigo, o professor da UFPI discorre sobre a geração do sambista carioca, a que se envolveu com as companhias fonográficas e com as estações comerciais de rádio
Wander Nunes Frota*, especial para O Povo
Noel Rosa (1910-1937) é, hoje, um dos ídolos maiores de sua geração. Em sua curta existência, porém, Noel jamais sonhou que teria um lugar garantido e definitivo, de honra mesmo, no cânon da música popular brasileira. O que o coloca no “centro do furacão” de sua geração é assunto para permanente discussão. Há quem diga que sua importância nem é tanta assim, que há outros nomes bem mais dignos de figurarem mais centrais que o seu, como Francisco Alves, Ari Barroso, Lamartine Babo et al. Esses e outros tantos também têm seu valor, e a discussão é pertinente porque aí entra também a subjetiva questão do gosto pessoal de cada analista.
No Brasil atual, a importância que damos à figura de Noel decorre basicamente do fato de suas canções ecoarem e calarem fundo ainda hoje em qualquer roda de samba, em um país meio carente de ídolos na esfera da música popular. A despeito de ser violonista apenas razoável que, ao contrário do que se possa pensar, não sabia ler música, a mítica facilidade com que compunha suas canções, anotando versos onde quer que fosse, atravessou as décadas e faz parte do riquíssimo anedotário noelino.
Pessoalmente, penso que Noel estaria hoje um tanto esquecido não fosse o esforço de uns poucos e abnegados amigos que, após sua morte em decorrência duma renitente tuberculose, fizeram com que seu nome, suas canções e seu famoso anedotário chegassem aos nossos ouvidos. Assim, temos, por exemplo, de primeira hora, seu primo Jacy Pacheco, que escreveu sua primeira biografia em 1955; Almirante, com o clássico No tempo de Noel Rosa (1a ed., 1963) e o programa homônimo no rádio; as suas cantoras prediletas, Aracy de Almeida e Marília Baptista, que, logo após sua morte e enquanto viveram, gravaram canções inéditas em disco ou regravaram antigos sucessos. Mais modernamente, surgiu, em 1990, a mais completa biografia de Noel, escrita pelos jornalistas João Máximo e Carlos Didier.
Numa época em que o rádio e os discos (ou melhor, as “chapas”) eram novidades envolvidas em grande mistério, a geração de Noel foi a primeira a ter que aprender a lidar com ambas de uma só vez. O disco, inventado ainda no final do século XIX, chegou no Brasil na virada para o século XX, pelas mãos de Fred Figner e sua Casa Edison. O rádio apareceu “oficialmente” em 1923, no Rio de Janeiro, mas foi “educativo” até mais ou menos o início da década de 1930, tornando-se “comercial” pelo decreto no 21.111 (1o/03/1932), do “governo provisório” de Getúlio Vargas, o que então possibilitou a contratação, pelas estações de rádio, dos “casts” de artistas (músicos, intérpretes, “speakers” etc), que antes disso só ganhavam cachês, muitas vezes simbólicos para se apresentar. É claro que isso tudo coincidiu com a ascensão da geração de Noel. Carmen Miranda, por exemplo, foi uma das primeiras artistas a serem contratadas.
Para sobreviver de música e, ao mesmo tempo, cristalizar a formação do que denomino alhures de “campo de produção cultural da música popular brasileira”, esta geração de Noel Rosa, quase toda composta de artistas brancos e mestiços, gente de classe média e baixa do e/ou no Rio de Janeiro, envolveu-se de tal forma com as companhias fonográficas e as estações comerciais de rádio que, hoje, essa situação ímpar nos dá a impressão de que esse ambiente musical carioca “fundador”, com o apoio dessas duas grandes “instâncias de consagração” (o disco e o rádio), teria sempre existido dessa maneira - o que, obviamente, não é verdade. Assim, os membros da geração de Noel foram os primeiros a lidar com certa realidade comercial por trás daquilo que, a partir de então, passou a se chamar “sucesso musical” em todo o Brasil, através do disco e das ondas do rádio.
As gerações anteriores à de Noel Rosa não tiveram as “facilidades” de se consagrar no cânon da música popular brasileira que, por sua vez, só começou a se formar, para o grande público, a partir dos anos de 1950 em diante, com o aparecimento de jornalistas como Lúcio Rangel (responsável pela Revista de Música Popular, recentemente reeditada pela FUNARTE); Sérgio Cabral (pai do atual governador do Rio de Janeiro); Ary Vasconcellos; José Ramos Tinhorão et al. Os grandes nomes anteriores aos da geração de Noel, como o mulato José Barbosa da Silva, o “Sinhô”, auto-proclamado “Rei do Samba”, morto em 1930, por exemplo, só dispunham do teatro de revista e, muito precariamente, do disco e do parco comércio de partituras para se consagrar junto ao público ouvinte na escala apenas do Rio de Janeiro. As facilitações tecnológicas do disco de cera de 78 rpm de dupla face e do rádio comercial, todas inexoráveis se pensarmos bem, coincidiram fortuitamente com a geração de que fez parte Noel Rosa.
Há lembrar também que, com a chegada de Getúlio Vargas ao Poder após um Golpe de Estado em 1930, o Brasil começará a dar saltos sucessivos no rumo mais consistente de uma industrialização propriamente dita. No campo da música popular, este salto tem como protagonista a chegada, já no final da década de 1920, de quatro companhias fonográficas multinacionais, a Victor, a Columbia, a Brunswick e a Parlophon - esta última, um selo da Odeon, que já estava comercialmente instalada sob as ordens da Fábrica Odeon (1912), de Figner, mas que teve sua administração devidamente substituída, levando a famosa Casa Edison à decadência. A meu ver, é a partir daí, mais exatamente, que serão muitos os meandros estritamente comerciais da música popular no Brasil a que os artistas da geração de Noel Rosa e, conseqüentemente, todos os das gerações posteriores terão de conformar para fazer sucesso com sua música.
Loas, portanto, a Noel Rosa como um compositor que levou o Brasil a pensar em ritmo de samba, que é, a partir dos anos 1920-30, nosso maior gênero musical - até porque o que havia antes dessa época eram os chamados “gêneros híbridos”.
* Autor do livro Auxílio luxuoso: Samba Símbolo Nacional, Geração Noel Rosa e Indústria Cultural (São Paulo: Annablume, 2003); Doutor em literatura brasileira pela Universidade de Minnesota, Estados Unidos (2000); Professor Adjunto III no Departamento de Letras e no Mestrado Acadêmico em Letras da Universidade Federal do Piauí-UFPI.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sim, provavelmente por isso e