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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Resenha de The Defence of Tradition in Brazilian Popular Music: Politics, Culture and the Creation of Música Popular Brasileira

Minha resenha do livro do Sean Stroud veio finalmente a lume na prestigiosa revista Popular Music, da Cambridge University Press, em seu n. 29, de Jan. 2010 (p. 173-176).

Quem quiser, pode solicitar a mim uma cópia eletrônica via email.

O livro é bom, mas, na minha opinião, foi feito para ser lido mais por estrangeiros do que por brasileiros, já que estes últimos meio que se perdem com a cronologia histórica mal feita, parecendo que está a misturar coisas/fatos/pessoas diversas.

Por isso, só com uma leitura bem atenta poderá o leitor brasileiro conseguir captar o seu objetivo principal, qual seja, o de mostrar que a política e a cultura foram e ainda continuam sendo os esteios da defesa da tradição na criação da música popular brasileira -- seja lá o que esta "tradição" de pouco menos de cem anos tenha querido dizer ao longo de nossa história.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

4. Encontro de Música e Mídia: O Brasil dos Gilbertos

“O Brasil dos Gilbertos: Gilberto Freyre, João Gilberto, Gilberto Gil e Gilberto Mendes”

Nesta quarta edição, o tema do encontro será “O Brasil dos Gilbertos: Gilberto Freyre, João Gilberto, Gilberto Gil e Gilberto Mendes”, quatro nomes que, em diversas perspectivas – musicais, especialmente - apresentam e representam o Brasil do século XX aos dias de hoje, sobretudo através da música: Gilberto Freyre e a questão do hibridismo, mestiçagem, identidade nacional; João Gilberto: um dos nomes mais expressivos da música popular brasileira, consolidou um modelo de interpretação (vocal e instrumental) reconhecido internacionalmente; Gilberto Gil: da Tropicália ao ministério da cultura, do experimentalismo musical aos debates sobre direitos autorais; Gilberto Mendes: um dos maiores nomes da música brasileira erudita brasileira, que vem influenciando um número expressivo de compositores de várias gerações, no país e no exterior.

O local de realização será a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), que oferecerá a infra-estrutura logística e institucional. A programação está voltada ao público universitário e interessados em geral, oferecendo certificados, mediante inscrição e freqüência nas atividades.

Datas importantes:

30 de junho: envio dos resumos
15 de julho: anúncio dos resumos aprovados ( por e-mail e na página do MusiMid)
15 de agosto: envio dos textos completos, de acordo com as normas de publicação. O não-atendimento do prazo não excluirá a apresentação do trabalho, mas a sua publicação no CDROM das atas do 4º Encontro, registrada na Biblioteca Nacional.

Informações serão constantemente atualizadas na página do MusiMid: www.musimid.mus.br

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Não foi bem "de carona"...

Acabo de me lembrar de informar aos que leram minha réplica à resenha que o Prof. Bryan McCann fez do meu Auxílio luxuoso que não foi muito bem "de carona" que Sérgio Cabral chegou a prefaciar o livro de Herique Foreis Domingus, o "Almirante", No tempo de Noel Rosa. É preciso lembrar que, na época (1977), os intelectuais (ou os aspirantes a intelectual) ainda "batiam ponto" nas sedes das grandes editoras cariocas e paulistas, como a (hoje centenária) Francisco Alves, por exemplo.

Em 1977, no auge da ditadura, portanto, o comunista Sérgio Cabral já era um dos "monstros" que haviam criado e estavam mantendo o Pasquim, ou seja, Cabral era visto como uma espécie de eminence gris, um monumento da resistência intelectual (do que pouco tempo depois iria se chamar de "esquerda festiva", aquela que não "pegou em armas" e que preferia militar na imprensa alternativa (ou "marrom") e/ou mesmo na "grande imprensa". Supõe-se então que fosse do interesse dos grandes editores da época ter alguém "de nome" para prefaciar a segunda edição do livro de Almirante. Isso não depõe contra (ou a favor) de Sérgio Cabral, já como o grande "crítico de MPB" que era (e é!); trata-se não mais de uma simples constatação.

Digamos que deva ter sido uma grande honra (ou um grande prêmio) para Sérgio Cabral prefaciar a segunda edição de No tempo de Noel Rosa. Isso mostrou, afinal, que o "comunista" Sérgio Cabral tinha lá o seu prestígio e o seu valor como "crítico de MPB".

Em primeira mão, essa postagem também deseja informar que, em um futuro não muito distante (talvez ainda este ano), pretendo lançar uma versão online, totalmente revista e atualizada (na medida do possível!), do meu livro Auxílio luxuoso, que poderá -- assim espero -- ser baixada ("downloaded") aqui mesmo neste blogue, no todo e/ou em partes. Mais detalhes serão postados na medida em que as coisas forem progredindo...

sábado, 15 de dezembro de 2007

Christopher Small e sua grande obra... (em inglês)

[A seguir duas resenhas dos livros que tenho lido...]

SMALL, Christopher. Music of the Common Tongue: Survival and Celebration in African American Music. Hanover [New Hampshire]: First UP of New England; Wesleyan UP, 1998. xi + 495 p. Paper, US$22.95. ISBN: 0585371245.

Resenhado por George Yancy, Duquesne University

Christopher Small’s Music of the Common Tongue is a massive social, cultural, politico-historical text which explores African-American “musickin”. The text moves the reader through the emergence of African-American musicking within the context of Africans having been thrown (Geworfenheit) within the socio-cultural space of racist America, demonstrating how African-American musicking involves issues of identity formation and a sense of communal and cultural cohesiveness. The text also moves the reader through cultural fusions between African and European musicking (what might be called 'Creolization'); explores the importance of axiological frameworks vis-à-vis certain forms of musicking; delineates the dynamics involved in a blues ontology and improvisational performances; explores literacy and nonliteracy on the production of musicking; provides the reader with a very insightful reading of classical music in relationship to issues of the infrastructural workings of industrialism; and, more.

But why the term “musicking"? For Small, musicking says something about the active process of music making, though the active dimensions of musicking can be tethered and arrested by certain concepts of music that are linked directly to a certain political economy. “To music” or “musicking” implies an active and performative movement. Music is not a static object, but a protean process. “Music,” according to Small, “is not primarily a thing or a collection of things, but an activity in which we engage” (50). Hence, there is no decontextualized music-object about which we can pose questions; rather we can only ask about musicking as it is enacted within a uniquely given context. The meaning of a musical piece, therefore, is not found in the musical work, but in the musical event. The idea is to pose one’s question with the total musical situation in mind: “‘What does it mean when this performance takes place at this time, in this place, with these musicians, before this audience?’” (51-52). Hence, the process of musicking, Small reasons, provides a matrix within which identities are formed; for the process of musicking always takes place within a social context that involves various identities in relationship (55-56).

Musicking is not only concerned with the expression of identity, who one is, but expresses one’s relationship “to other people, to the natural and even to the supernatural world, and musicking is concerned with the exploration, the affirmation and celebration of relationships” (56). With phenomenological overtones, Small realizes the sheer active dimensions of African-American musicking as a process of existential meaning formation. For it was through the process of musicking (spirituals, blues, jazz, rap, and other forms) that African-Americans found new ways of surviving and being. They had to create new and hybrid (African-European) modes of existential musicking and being-in-the-world “which would give meaning to the apparently meaningless nightmare into which they had been thrust” (34). It was music, dance, and folk tales that carried the spiritual and metaphysical temper that enabled/enables African-Americans to survive (35).

Small’s thesis is that African-Americans, as a protean people, a people forced to narrate and create a semiotic stream of self-meaning, enacted processes of musicking that were disruptive, improvisational, and non-static. African-American musicking is a process of deconstructing images imposed upon them. Their musicking involves counter-narratives that say, “‘This is who I am,’ and ‘This is where I belong’, against those who would say, ‘That is who you are’, and ‘That is where you belong’” (463). Improvisational forms of African musicking enabled African-Americans to move and bend according to the oppressive conditions that they faced. Improvisation also allowed for a decentralized and democratic sense of community and being. Like a Jazz piece, African-Americans brought with them flexible structures (cognitive, aesthetic, etc.) that allowed for improvisational and (decentralized) democratic enactments, existential, political and musical. One might say that there was/is a creative tension in the given and the remembered. African-Americans had to “take from the American environment what was needed for living, and to blend it with what was remembered [and re-remembered] of the old” (463).

Linking life (movement) and music, Small argues that the beauty of music is in the performance, the act, not the score (71). African-American culture must be prepared to reinvent itself without being tied to a static structure or a musical score (240). Through the work of Albert Murray, Small argues that African-American culture works with different metaphysical conceptions of change, time, continuity, and permanence (243).

This has implications for issues of the oral tradition in African societies. The idea of not relying on the (static) written word is a deliberate epistemological and aesthetic choice. Drawing from the work of Dennis Duerden, Small maintains, “To them [Africans and African-Americans] it is the creative process that is alive, while created objects are a dangerous legacy which for later generations can stand in the way of self-realization” (66). This raises the issue of improvisation.

Small notes that John Coltrane once said that when Thelonious Monk taught him his tunes that Monk “would rather a guy would learn without reading because you feel it better and quicker that way” (231). Protean. Always something new. Paralogical spaces. Creating on the spot. “This is the way in which the work of creation is kept on the move” (231). Although African-American improvisational musicking involves freedom, spontaneity, and instantaneity, this does not mean that improvisation is “total uncontrolled invention” (290). There are always background assumptions--though always subject to change--at play (290-91). We should keep in mind that “both Coltrane and Thelonious Monk were, of course, perfectly capable of reading and writing music when it was of use to them” (233). As Small notes, however, notation-independent musicking gives the performer “the power not only of interpretation ... but also original creation within the framework of the idiom and of the given material” (234). Small also notes that in a solo concerto from the time of Haydn, Mozart, or Beethoven that “it was custom of those masters ... to leave a space where the soloist was expected to show his or her own inventiveness ... by improvising an extended passage, known as a cadenza” (282). But Small quickly adds that “today no [classical] soloist ventures to do such a thing” (282). With regard to contemporary classical music, “Performers are imbued from childhood with the notion that their task is to realize a written musical text ... as faithfully as is in their power” (281). Indeed, for Small, there is also the recognition, unlike in a Jazz performance, that the musical score was “created by a higher order of musicality than their own” (281).

If musicking is a celebration of human relationships (128), what does this say about classical music with its stress on lack of bodily movement, the separation of musicking from everyday life, centralized power structure (the conductor), and so on? Small maintains that it says something about how classical music imitates our industrialized society with its fragmentedness, linearity, power hierarchy, etc. For Small, this “manner of performance ... affirms and celebrates the values of the industrial state in all its singleness of vision” (168).

Hence, Small makes an insightful link between how social power--for classical musicians receive financial support from sites of power in our industrialized society--impacts the socially constructed myth that classical music is a “superior” form of music. On this construal, classical music is not music of the common tongue. Classical music is not deemed as that which is available, like language, to everyone. Classical music is not like vernacular speech; rather, it is deemed exclusive--a language that only a select group of geniuses is really capable of hearing and expressing.

Small does an insightful job of providing readers with a thick socio-historical description of the survival and celebration of African-American musicking. He demonstrates how power and politics undergird music as a cultural form. As a result, he reveals how music and aesthetic values do not inhabit an ephemeral sphere divorced from cultural and political contexts. In the process, Small leaves the reader wondering about the future social context out of which African-American musicking will evolve. As the political state becomes even more restrictive and exclusionary, one can only anticipate a more powerful musicking of combat and overthrow.

[E agora mais uma opinião sobre a obra de Christopher Small, em texto escrito por Robert Christgau e publicado no Village Voice (NY), em 5 set. 2000]
Thinking About 'Musicking'

Robert Christgau

In 1975, Christopher Small, a 48-year-old senior lecturer at a London college of higher education, approached independent publisher John Calder with a half-completed translation of Fragments Théoretiques sur la Musique Expérimental, by the Belgian serialist Henri Pousseur. Small had left his native New Zealand in 1961 after receiving a grant to study composition in the mother country. There he fell in with avant-gardists he now believes derailed whatever compositional impulse he had, although he did produce several educational works as well as one called Actions for Chorus: Some Maori Place Names. Since Calder had put out titles by Cage and Ives, he seemed a good match for the recondite Belgian, but the publisher was more interested in the translator. Soon he was asking when Small would be writing his own book.

“Well, you know, every academic thinks he’s got a book in him,” Small told me recently in Sitges, Spain, a seaside outpost of Barcelona where he’s lived with companion Neville Braithwaite since 1986. Designated a “guru” by more than one admirer, Small is a tubby, affable man with a trim white beard who speaks in a ruminative murmur few would call charismatic; several times he apologized for not answering my questions snappily enough. But he certainly did have a book in him. In the end, in fact, he had three. But only Music, Society, Education came easy--he wrote his visionary critique of classical music’s industrial-capitalist apparatus in less than a year. And that, Small figured, would be that. “I expected it just to sink from sight. It never occurred to me that there was anything out of the ordinary about it.”

Soon, however, Music, Society, Education received a glowing notice from the pop-friendly English musicologist Wilfrid Mellers. “A whole torrent of reviews” followed, although Small seems just as gratified by all the “letters from undergrads and schoolkids--several letters from schoolkids--and students in music college”. What caused the clamor was that Small had examined classical music from the inside and found it wanting--humanly wanting as opposed to aesthetically wanting, to exploit a distinction he has little use for. Small’s literary presentation mirrored his musical values, which emphasize music’s function in, well, society and education. Deeply thoughtful and broadly informed without any of the usual shows of erudition (spare footnotes, no bibliography), it really was accessible to interested schoolkids, and although Small insists that it was not conceived as an “attack,” it alarmed the old guard mightily. It was both more sweeping and more unassuming than anything Mellers had in him, and its commitment to democracy had a radical edge absent from the centrist middlebrow Henry Pleasants, whose crankier Serious Music and All That Jazz, Death of a Music?, and The Agony of Modern Music Small would only discover later.

What distinguished Small from his fellow dissenters was that he wasn’t just an antielitist praising melody and rhythm, much less an elitist spinning off into some airless avant-garde stratosphere. He was driven by an overriding idea: that music is always a social activity, never a reified thing. Thus the Balinese and African musics his first book describes early on are the equals of the European classical tradition whose audience he is addressing, and perhaps its superior. The moral agenda that goes with this concept not only insists on music’s social context but challenges “the whole idea of music as communication”--especially the myth of the composer as an anointed genius with a message to impart to his inferiors in the orchestra and the audience.

It took Small 10 laborious years to reconfigure these concerns in what he calls “my favorite of my three children”--an idiosyncratic, autodidactic history of African American music. Music of the Common Tongue is an ambitious, original, moving synthesis, propelled once again by Small’s signature ideas. But because he came to the subject late and learned American history on his own, it’s awkwardly researched, and while there’s earnest charm and emotional power in the book’s flaws, they’re sometimes distracting or misleading, especially when they touch on such white-dominated precincts as Tin Pan Alley and country music. It’s easy to imagine a more smoothly executed version turning Small into a genuine intellectual celebrity. Instead, it remained surprisingly obscure--the time wasn’t right for such a radical book, and Calder did nothing to compensate. By pub date Small and Braithwaite, a Jamaican-born youth worker in music and dance, had escaped Thatcher’s England and retired to Sitges, an old Catalan community that has accommodated significant touristic, bohemian, and gay infusions.

One hallmark of Small’s modestly momentous career, grounded in classical music and then bent toward America as it is, is that he never got the time of day from the U.S. classical establishment, which he observes is far more snobbish and insular than the European. In Britain, Mellers and Pleasants were like-minded predecessors, but insofar as he was noticed at all in America it was usually by the likes of radical ethnomusicologist Charles Keil and rock critic Dave Marsh, who first told me about Music of the Common Tongue. Music, Society, Education I’d discovered on my own at St. Mark’s, which is pretty much how Susan McClary came across it shortly after it was published here in the early ‘80s. McClary was then formulating the deconstruction of music theory that would eventually blossom into the so-called new musicology as well as McClary’s MacArthur grant, and she immediately started teaching Small’s book, which both reinforced and influenced her own thinking: “It’s had a profound effect on the people who have read it--in musicology, ethnomusicology, cultural studies.” McClary and her husband, Robert Walser, have become friends of Small--they were vacationing in Sitges when I visited. Together with George Lipsitz, they edit Wesleyan University Press’s Music/Culture series, which rescued Small’s first two books from Calder and then spurred him to turn a daunting pile of manuscript fragments into 1998’s Musicking.

Musicking is calmer than Small’s manifesto or his love child. Far-ranging by conventional musicological standards, it’s nevertheless the most focused of his books, and also a return to his roots: a step-by-step examination of a symphonic performance, starting in the foyer of the concert hall and building to a meta-analysis of symphonic form and impact, with various “preludes,” “postludes,” “interludes,” and outright afterthoughts and asides along the way. Perhaps due to Wesleyan’s visibility, it’s gotten the bulk of its attention in the U.S. “In Britain it’s, “Oh, Chris Small, good knockabout stuff but not to be taken seriously”, Small says. It’s slow at times--there’s much about Gregory Bateson’s antidualistic theory of mind, which provides a theoretical framework the way Ivan Illich’s anarchist notions did in Music, Society, Education--but I think it’s his most powerful book.

First there’s the term “musicking” itself, introduced in Music of the Common Tongue to underline Small’s thesis that music is always an activity rather than a thing, but now, promoted as a title, showing up all over McClary’s wing of academia and eventually, you bet, journalistic discourse as well. And then there’s Small’s climactic point, which is that music’s ultimate function isn’t to order time, that industrial fallacy, but to provide insight into relationships: between and among notes and chords and rhythms and meters and many other classes of sound, and also musicians and listeners, composers and conductors (not to mention producers and a&r folk, DJs and critics). As Small demonstrates vividly by outlining a few sample “secondary” and “tertiary” relationships in numbingly tortuous words, it’s a very efficient way to embody and sum up relatedness, which is the essence of social if not human life. Thus, music becomes as integral to mental health as music chauvinists are forever claiming it is.

Small takes care to define “musicking” as broadly and kindly as possible. The concept definitely encompasses dancing and listening--a girl with a Walkman is one of his prime examples. But like so many pop sympathizers with folk affinities--I think of Robert Palmer in Rock & Roll: An Unruly History, of Robert Cantwell in Bluegrass Breakdown, and especially of Charles Keil, who’s made a mission of teaching elementary schoolers and frat-rat klutzes to play the drums--he’s enamored of live performance and suspicious of recordings. As is my practice, I brought a few CDs I thought would be down his alley to our meeting--alt-rappers Blackalicious, the glorious Senegalese Music in My Head. Small declined to put them on. In fact, he told me, he doesn’t do much listening these days, certainly not to anything unfamiliar, although once in a while someone comes along and gives him a kick. Instead he spends extensive musicking time playing the piano as well as he can (better than he admits, I bet)--Mozart’s sonatas have been a special revelation recently. And although he’s working on a lecture he’s been asked to deliver in New Zealand, he told me he has no plans for another book. After all, if past performance is any indicator, it wouldn’t come out till he’s 80.

Having just learned that developments in sociobiology had unsettled his politics slightly--having learned, that is, that his mind was as active as ever--I could only hope he was wrong about the book. Small is a writer so humane he makes those who fulminate reflexively against the “academic” look like bigots as well as morons. He was a late bloomer, and he’s getting on. But he’s proven someone for whom teaching comes as naturally as musicking. I very much doubt he has nothing more to tell us.

[Nota-se que Christopher Small não está para brincadeira, não veio aqui a passeio, ou seja, ele "tá com tudo e não tá prosa", como diria o Chacrinha... Até segunda ordem, meus amigos, ele é "o cara"!]

sábado, 1 de dezembro de 2007

Réplica à resenha do Bryan McCann

Teresina, 2 de dezembro de 2007

Prezado Bryan McCann:

Cabe fazer uns pequenos mas significativos reparos nisto da herança negro-brasileira na MPB ter sido pesquisada "originalmente" pelo “comunista” Sergio Cabral ou por outros jornalistas. Não nego que foram jornalistas os primeiros a "pesquisar" a MPB -- até por estarem mais próximos dos artistas e da vida boêmia, em ambientes freqüentados tanto por uns como pelos outros. A meu ver, Cabral é um dos membros da segunda geração de jornalistas que se ocupou de música popular, portanto é ele mesmo que, literalmente, deve ter se aproveitado dos que vieram antes dele...

E como ele se aproveitou! Basta ler, por exemplo, algumas páginas da biografia do Pixinguinha e cotejá-las com algumas matérias de Phono-Arte (não citadas como tal), passando aos leitores a falsa impressão de que as páginas da biografia vieram todas da pena do jornalista/pesquisador e "crítico de MPB" em questão... (Cf., por exemplo, a p. 124 da biografia Pixinguinha: Vida e Obra [RJ: Lumiar, 1997] e as p. 25-26 da revista Phono-Arte, n. 32, de 30 nov. 1929) Coisa feia! Qual não foi a minha surpresa ao descobrir isso! É claro também que isso pode muito bem ter sido um "esquecimento" do autor da biografia (ou talvez até uma "falha da revisão" etc), mas caso fosse eu que o tivesse feito, seria imediatamente tachado de plagiário e muito provavelmente expulso da academia sem possibilidade de apelação, não é mesmo? Mas vamos a outros fatos porventura menos desagradáveis...

Na verdade, Cabral seguia bem de perto os passos de jornalistas "das antigas" (alguns bem anteriores a ele, mas ainda contemporâneos dele) como Fernando Lobo, Pérsio de Moraes, Nestor de Holanda, Sérgio Porto, Orestes Barbosa, Jota Efegê, Mariza Lira, J. Cruz Cordeiro Filho (um dos "directores" da Phono-Arte) e, querendo ou não, Lúcio Rangel (1914-1979), entre outros. Entre set. de 1954 e set. de 1956, Rangel foi o editor responsável pela Revista da Música Popular (recentemente re-editada em fac-símile pela FUNARTE, em volume único de 775 p.), que, por seu turno, deve ter chamado muito a atenção do “jovem experto do samba” Sergio Cabral.

Quando o “Almirante” (Henrique Foreis Domingues) lançou a segunda edição (1977) de seu livro sobre Noel Rosa, cito, No Tempo de Noel Rosa (1965), lá estava o já não tão jovem “comunista” prefaciando a obra... de carona, já como um grande "crítico de MPB". Mais do que ninguém, portanto, o próprio Sergio Cabral deve saber a razão de ele afirmar, quando o fez, que “não existe nada mais revolucionário do que pesquisar MPB”, afinal ele faz parte do grupo que você identifica como “historiadores populares”, juntamente com Jairo Severiano, Ary Vasconcellos e José Ramos Tinhorão, todos da mesma fornada dos anos 1960. Não posso ter nada a dizer do Sergio Cabral d'O Pasquim, até porque esse tablóide "udigrudi" é irretocável e me cala fundo no coração -- muito embora isso não venha ao caso aqui e agora! Top, top, top!

O que vem ao caso aqui e agora é a incrível “coincidência” de que o “Movimento pelos Direitos Civis” nos anos 1950 e 1960 nos Estados Unidos também tinha seu lado “esquerdista”, de underdog, não tinha não? E como jornalistas bem-informados, antenados, que de fato eram os que faziam parte daquele grupo foram beber (alguns literalmente), por exemplo, em fontes que circulavam desde sempre no meio da imprensa ocidental como The White Negro: Superficial Reflections on the Hipster (1957), o ensaio do Norman Mailer, ou o livro Blues People (1963), do LeRoi Jones (depois conhecido como Imamu Amiri Baraka), entre outros, só para formular certa “aproximação” entre a história da chamada Black music estadunidense com a história do samba urbano carioca, de forma a notar apenas as "semelhanças" entre ambas. Diante disso, meu caro McCann, fico aqui imaginando como teria sido espetacular se o Frank Kofsky de John Coltrane and the Jazz Revolution of the 1960s e de Black Music, White Business: Illuminating the History and Political Economy of Jazz pudesse ter tido contato com os conceitos de "campo de produção cultural" e de "habitus" do Pierre Bourdieu... Não ia sobrar pedra sobre pedra! Que pena que esse encontro não aconteceu!

Em off: Desta forma, o parâmetro utilizado pelos jornalistas brasileiros nos anos 1960 para fixar o que chamo no meu livro de “história semi-oficial da música popular brasileira” se assemelha, e muito, ao que hoje acontece quando se vê intelectuais e/ou acadêmicos brasileiros defendendo cega e ardentemente a adoção do sistema de cotas, a affirmative action e outras mumunhas tal como delas bem dispõe a sociedade estadunidense, ou seja, sem as devidas adaptações à realidade sociohistórica do Brasil, de características múltiplas e variadas nos quesitos racial e econômico... [ATENÇÃO: espero que você não entenda o comentário anterior como racista ou coisa parecida!] Melhor ainda seria colocar isso da seguinte maneira: aqui no Brasil somos useiros e vezeiros nessas “importações indevidas”, nessas “cópias enjambradas, torcidas e retorcidas” – e isso desde a época colonial, haja vista o que lindamente fizeram por aqui com o barroco em termos artístico-arquitetônicos e literários...

Fundamentalmente, meu caro McCann, não há nada de muito errado (nem de muito certo) com isso de imitar os outros, os mais desenvolvidos, para se lhes equiparar -- mas isto não indica que eu esteja infantilmente afirmando o que escrevi de forma maniqueísta, entende? O que não pode deixar de ser dito é que essas cópias enjambradas não nos vão equiparar a absolutamente nada, ou melhor, até vão, mas apenas parcialmente, como uma "verdade tropical" caetaneada... de fachada, tipo "macumba pra turista", que só beneficia os que estão diretamente envolvidos no processo, no empreendimento, digamos assim, porque é termo mais comercial, enfim... Mas tampouco se pode ver alguma coisa errada nisso, não é mesmo?

De supetão, ocorre-me também que eu jamais digo em meu livro que não me utilizo da obra desses jornalistas/pesquisadores e "críticos de MPB", muito ao contrário. Faço-o justamente para poder criticá-las mais à vontade, como talvez você bem possa perceber agora! Agora, só faltou você dizer quem ou o quê, afinal, você acha que eu poderia utilizar caso não os utilizasse como fontes?

Por fim, envio, daqui do quentíssimo Piauí e de sua tórrida capital, Teresina, em pleno sertão nordestino, um sincero e muito tardio agradecimento por sua mui honesta resenha sobre meu livro. Se lhe interessa saber, já estou cá a preparar outro, não sobre música popular, mas especificamente sobre literatura brasileira e... Bourdieu, é claro! Vamos ver como me saio dessa vez! Para quem tinha tudo para ser "um medíocre a mais nesse mundo", segundo um crítico bastante pessimista (e a meu ver muito reacionário), chego a pensar que pelo menos não involuí tanto...

Ex toto corde,


Wander Nunes Frota

Resenha publicada em http://lbr.uwpress.org/cgi/reprint/40/2/146

Resenha de Bryan McCann (Georgetown University), publicada na Luso-Brazilian Review (inverno de 2003, n. 40, p. 146-147, prestigiada revista da University of Wisconsin-Madison, que pode ser encontrada na internet no seguinte endereço <http://www.wisc.edu/wisconsinpress/journals/journals/lbr.html>.

Frota, Wander Nunes. Auxilio Luxuoso: Samba Símbolo Nacional, Geração Noel Rosa e Indústria Cultural. São Paulo: Annablume, 2003. 252 p. Bibliografia. ISBN: 85-7419-333-X

During the dark years of military dictatorship in late-1960s Brazil, Sergio Cabral, a young samba maven and a member of Brazil's underground Communist Party, used to tell his comrades, "I don't know of anything more revolutionary than researching Brazilian popular music." Cabral meant to show that the nation's humblest members-its urban, Afro-Brazilian poor in particular-had bestowed upon Brazil its greatest cultural treasure, and that an accurate account of their contribution would reveal the injustice of domination by a feckless, cosmopolitan elite. Cabral's notion of a valiant popular soul informed the books he wrote over the next several decades, and was shared in several key respects by other popular historians of his generation, including Jairo Severiano, Ary Vasconcellos, and Jose Ramos Tinhorão. Although these authors often differed over both the particulars and the political implications of their research, they generally agreed that popular music lay at the heart of the Brazilian experience, that African cultural inheritance provided the bedrock for that music, and that commercial interest played at best a circumstantial and at worst a corrupting role in that music's development. Working outside the academy but following rigorous codes of research, they published an influential body of work that cemented a canon of Brazilian popular music first sketched a generation earlier. In the book reviewed here, Wander Nunes Frota terms this body of work the "semi-official history of Brazilian popular music," and sets out to question its very foundations.
Frota's argument has two main thrusts-first, that the Brazilian popular music of the 1920s through the 1940s was completely dependent upon the rise of a commercial cultural industry, and second, that the "semi-official history" often overemphasizes a vaguely defined African cultural inheritance, thus obscuring the musical richness and social complexity of Brazilian popular music. In light of these arguments, Frota suggests, the broader cultural meanings imputed to the music-in particular the understanding of samba as a national symbol-stand in desperate need of reconsideration.
On the first count, Frota is certainly correct, and the book's strength lies in its sharp delineation of a crackling electric archipelago of radio stations, recording studios and movie houses. Drawing on the formulations of Pierre Bourdieu, Frota describes this network as a field of cultural production, deemphasizing the heroic biographies found in the "semi-official history" and sketching an encompassing social and economic context in their stead. Frota suggests that by revealing this commercial connection-the "luxurious assistance" of the book's title-he gives the lie to nationalistic meanings associated with popular music, showing that the idea of national popular communion through samba was merely a pretext for economic expansion. But this is too pessimistic, confusing the ability to extract profit with the ability to mold cultural traditions. The recording executives got rich, but it was the sambistas and their audience, above all, who forged the link between samba and national identity.
This leads to the second aspect of Frota's argument, concerning samba, race, and inequality. In his most stinging allegation, Frota suggests that the racial politics of the "semi-official history" were lifted wholesale from the U.S. Civil Rights movement and misapplied to Brazil. The notion of a pure, popular, African-inspired music subsequently co-opted and exploited by white elites may or may not work for blues and jazz, he suggests, but it surely cannot work for samba. This criticism is overheated-while Frota uses the term "semi-official history" to refer to a generation of researchers, his characterization of the political theory underlying that history only fits the work of Tinhorão-not coincidentally the most ardent nationalist of the group, and the one who will find charges of undue U.S. influence most galling. Ironically, Frota's own understanding of Brazilian popular music, with its emphasis on the self-serving machinations of "the big media," is not far from that of Tinhorão. The fundamental difference is that where Tinhorão laments the loss of national musical purity, Frota finds no purity to begin with, replacing Marxian theories of exploitation with Bourdieusian theories of inescapable cultural logic.
In Frota's view, popular music flourished because media titans needed a product to sell, and acquired its broader cultural meanings because middle-class consumers needed a way to obscure the divisions between haves and have-nots through nationalist celebration. This has the advantage of drawing our attention to the multiplicity of actors who collectively created the golden age of Brazilian popular music, ranging from humble sambistas to conservatory-trained arrangers, foreign producers and commodity salesmen.
Frota skillfully sketches the importance of each sector within the dynamic field of popular music. But like Tinhorão before him, Frota underestimates the ways in which composers, performers and fans operating within the confines of a commercial industry could reinterpret pat nationalist themes to craft inquiries into the shortcomings of the nation.
Towards the end of his book, Frota analyzes "Laranja Madura," ("Ripe Orange"), a 1967 hit by the Afro-Brazilian sambista Ataulfo Alves. Frota persuasively reads the samba's lyrics as an implicit indictment of disguised racial exploitation, revealing the ways in which samba, oft-imbued with nationalist meanings, could also serve to counter dominant national narratives. This rewarding approach is lacking from the rest of the book, which concentrates too much on the dynamics of musical production and not enough on the product itself.
Ultimately, this book corrects the romantic myopia of the "semi-official history," but does not dismantle that history. Frota's work relies heavily on the research of Cabral, Tinhorão and company, and firmly ascribes to the canon those authors helped construct-while emphasizing its constructed nature. This may be the enduring lesson of the book, demonstrating that the field of musical production that blossomed in the 1930s, with all its deeply embedded inequalities, its nationalist pretensions, and its commercial foundations, continues to contain those who aspire to explain it.
Bryan McCann, Georgetown University

domingo, 23 de setembro de 2007

Cecily von Ziegesar...

Fui surpreendido com a notícia de que o pai da escritora estadunidense Cecily von Ziegesar "nasceu em São Paulo", segundo ela mesma declarou em entrevista ao portal G-1, da Globo. Portanto, o pai da Cecily deve ser filho do Barão Lothar von Ziegesar...

Cecily foi convidada a participar da Bienal do Livro do Rio de Janeiro por conta de seu livro Gossip Girl, fenômeno de vendas no segmento "teen" do mercado editorial estadunidense desde que foi publicado em 2002.

Mas quem foi mesmo seu avô paterno? O que ele tem a ver com a história brasileira da música popular?

Para quem não sabe, o tal Barão vem a ser o "gerente geral da Victor Talking Machine Company do Brasil" (sic), companhia fonográfica (importantíssima para a história brasileira da música popular) que aportou em São Paulo e no Rio de Janeiro no final de 1929.

O número 32 da revista Phono-Arte, publicado no Rio de Janeiro em 30 de novembro de 1929, p. 25-26, dá conta da chegada da Victor e até traz uma "foto de estúdio" do tal Barão, avô da Cecily.

Os estúdios de gravação da Victor eram no Rio de Janeiro; a fábrica, em São Paulo -- daí o Barão ter vivido em Sampa com a família.

No meu livro Auxílio Luxuoso dou conta do total e absurdo esquecimento porque passam os administradores das companhias fonográficas -- isso por parte dos "grandes críticos de MPB" que escreveram a "história semi-oficial da MPB", gente como: José Ramos Tinhorão, Ary Vasconcellos (já falecido), Sergio Cabral et al. No meu entender, a história desses administradores poderia lançar alguma luz sobre a história brasileira da música popular.

Quem sabe uma pequena biografia do Barão (sobretudo em torno de sua curta estadia na capital paulista) ajudasse a esclarecer as intenções ulteriores das companhias fonográficas ao se instalarem de malas e cuias em um país periférico como o nosso ainda no final dos anos 1920.

Talvez porque não interessasse (de fato não interessa ao público leitor da escritora estadunidense aqui no Brasil), nenhum jornalista tenha sequer perguntado à Cecily o porquê de seu pai ter nascido no Brasil, em São Paulo. A informação bem que podia puxar um fio desse novelo... Quem sabe não era isso mesmo que a própria Cecily estava querendo quando afirmou que seu pai havia nascido em São Paulo?

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Artigo no Estadão sobre A Construção do Samba, de Jorge Caldeira, com meus comentários no corpo do texto

OESP, 4/maio/2007
A Construção do Samba, de Donga a Noel Rosa
Estudo de Jorge Caldeira será lançado hoje, dia em que se completam os 70 anos de morte de Noel, reunindo dois textos complementares do autor
[Obs.: Meus comentários estão em itálico, entre colchetes]
Adriana Del Ré
A Construção do Samba, de Jorge Caldeira (Ed. Mameluco, 224 págs.), chega às livrarias hoje, dia em que se completam 70 anos de morte de Noel Rosa. Na verdade, o livro é a reunião de duas obras de Caldeira, lançadas em momentos diferentes, mas que, conceitualmente, são complementares.
Escrito em 1988, A Construção do Samba é fruto de uma dissertação de mestrado, defendida pelo autor no Departamento de Sociologia da USP, mas que, nesta nova versão, ficará livre de explicações acadêmicas, acerca da indústria cultural, da estandardização, entre outros aspectos. Mantém-se como texto base para o livro, acrescido de uma segunda obra, Noel Rosa, de Costas para o Mar, lançado em 1982 e reeditado agora na íntegra.
No cerne de sua tese, Caldeira destaca a idéia do grau de inovação envolvido na adaptação da música folclórica para a canção formatada do disco e do rádio. Traça esse processo de transformação e reconfiguração da música, dando crédito a seus devidos protagonistas. [Claro, essa "adaptação" não caiu do céu assim tão de graça como vc imagina nem Noel foi o primeiro a perpetrá-la, mas ele foi um dos q pavimentou, com mais segurança, a "rodovia" do sucesso musical (popularesco) com todas suas características eminentemente comerciais, q irão fazer parte do "repertório" das práticas usuais das gerações artísticas subseqüentes...] Dentre eles, o próprio Noel Rosa, que aparece como uma das peças fundamentais. [Noel foi “the right man in the right place at the right time”. É dele o retrato mais bem acabado de sua geração; daí eu ter batizado toda essa geração artística com seu nome...]
Segundo o autor, muito se bate na tecla sobre a origem tradicional e pobre dos nomes que ajudaram a construir o samba como o conhecemos hoje, como Donga, Pixinguinha, Sinhô, Noel e Ismael Silva. Algumas vezes, desqualificando-os; outras, enaltecendo-os pela origem pobre e, por isso, cientes da representatividade da figura popular. ‘Na realidade, são pessoas que desenvolveram tecnologia, criaram um tipo de música adequada àquela situação’. [Essa “tecnologia” sobre a qual vc fala não foi nem um pouco “desenvolvida” por eles; na verdade, ela veio toda prêt-à-porter do estrangeiro e foi simplesmente posta à disposição daqueles artistas através das então novíssimas tecnologias do disco e do rádio comercial. A concessão das rádios comerciais, por sinal, pertenciam às elites carioca e paulista, após terem sido devidamente “leiloadas” por decreto do “governo provisório” de Vargas... Dos artistas, só mesmo o grande talento pra perceber a “abertura” (ou melhor, a brecha) profissional proporcionada por aquelas novas “instâncias de consagração”, q os manteve, de acordo com Bourdieu, “na condição de dominados dentro do grupo dominante” – como, aliás, era de se esperar q assim fosse...]
É exatamente assim que Caldeira gostaria que fossem lembrados. ‘Eles sabiam que vender disco era fator de transformação: sairiam da condição de tradicionais para o conhecimento público’, observa ele. ‘Foram até a cidade e dominaram a tecnologia.’ [Melhor seria vc ter dito assim: Era como se eles já soubessem (ou tivessem um vago conhecimento) q vender discos seria "O" fator mesmo de transformação, pois eles não só sairiam mais definitivamente da condição de “tradicionais” (q, aliás, eles já não eram pq eram urbanos por natureza) para o ainda engatinhante (re-)conhecimento público de artistas popularescos como tb tornar-se-iam "profissionais" da música popular... Isso sim!]
O samba gravado é apontado pelo autor como ‘o grande culpado da transformação’. O início de tudo deu-se com Pelo Telefone (1916), primeiro samba registrado em disco. Na época da gravação, já foi confabulada uma polêmica: questionou-se se aquela música era, de fato, samba e se era o primeiro. Além disso, houve divergências em relação à sua autoria. Mauro de Almeida era autor oficial da letra e Donga, da melodia, mas Sinhô também entrou no páreo pela autoria da música.
Uma pequena amostra de que, em todo esse processo, nada foi tão simples assim. ‘São pessoas que fizeram uma construção muito complexa, sólida, que dura até hoje’. Eram atuações conscientes. Donga, por exemplo, tinha idéia de que estava fazendo um gênero de música popular para circular na cidade, com canções que deveriam ter uma certa duração e contar histórias interessantes. Já Pixinguinha elaborou as formas musicais do samba, com as quais estamos acostumados a ouvir até hoje.
Sinhô, por sua vez, criou o personagem do compositor popular e ele próprio conseguiu ser reconhecido como tal. ‘Filho da gravação elétrica’, Noel Rosa compôs pequenos retratos da vida urbana. ‘Isso agregou e complementou a construção do samba’. [Noel pegou o carro do bonde já em movimento; ele faz parte da primeira geração de artistas popularescos q pôde lidar com o disco e o rádio comercial combinados simbioticamente de forma mais integral, daí sua importância...]
Noel ajudou a enobrecer o papel do compositor. Na histórica rivalidade entre Noel e Wilson Batista, os dois divergiam sobre a representatividade do malandro. Em seu samba Lenço no Pescoço, Wilson Batista mostrava o malandro caricato e vadio. A resposta de Noel veio com Rapaz Folgado. ‘Para Noel, malandro é o cara que trabalha, canta samba, como se fosse o olhar do mundo’, afirma Caldeira. ‘Depois da briga entre Noel e Batista, ficou claro que compositor não é malandro’. [Ih, esse negócio da “polêmica” entre Noel e Wilson já foi longe demais...]
* * *
[O fato é q o livro de J. Caldeira contém duas partes. A última parte ("Noel Rosa: De Costas para o Mar") já era conhecida desde 1982, qdo foi publicada pela Ed. Brasiliense (coleção Encanto Radical), e se trata duma biografia de Noel em formato de livro de bolso. A primeira parte, q é tb o próprio título do livro, é a dissertação de mestrado do autor (na USP), escrita em 1988 e até então inédita em livro. Como esse material ficou assim, inédito até agora, penso q a visão de Caldeira poderia ter tido um aproveitamento mil vezes melhor caso tivesse utilizado uma base teórica de peso e/ou seguido orientações de alguma linha nos atuais estudos culturais. Como está, ela se assemelha bastante às incursões ao tema dos jornalistas q criaram a "MPB" nos anos 1960 (Sérgio Cabral, Ary Vasconcellos, José Ramos Tinhorão et al.). Desta forma, comparando-a ao meu Auxílio Luxuoso, reconheço publicamente q Caldeira teve a iluminação de se referir em primeira mão ao fenômeno "midiático" da música popular no Brasil em sua expressão mais próxima do comercial e das relações profissionais existentes entre os artistas (músicos, intérpretes etc), seus agentes e a indústria cultural propriamente dita. Por todos os motivos aqui relacionados, o livro de Jorge Caldeira é muito importante para os estudos sobre música popular no Brasil (bem mais q quaisquer outros títulos daqueles jornalistas citados), como aliás o são todas as suas brilhantes intervenções na mídia falada e escrita desse nosso país.].